2 em cada 3 profissionais de social media associam trabalho a estresse: o que mostra a pesquisa Desabafos
- Ana Carvalho RP

- 16 de dez.
- 11 min de leitura
Atualizado: há 6 dias
Nesse texto, vou compartilhar insights sobre como o mercado está se sentindo, quais são as principais causas da nossa exaustão, qual área ganha mais e o impacto de usar o feed infinito como entretenimento.
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Há alguns anos eu mantenho uma pesquisa anual com profissionais de social media e marketing digital. O foco da Desabafos não é alcance, nem CTR. É como você se sente trabalhando com redes sociais.
Todo fim de ano eu sento pra analisar esses dados. E, honestamente, eu fico chateada de ver como alguns padrões se repetem.
Não quero fazer um retrato apocalíptico do mercado de social media, mas também não dá pra ignorar um dado que volta ano após ano:
2 em cada 3 profissionais de social media associam o trabalho a estresse.
Tem outra coisa que também se repete todo ano: eu chego em dezembro sem aquele relatório em PDF maravilhoso que essa pesquisa merecia (vida real de quem concilia clientes, empresa, casa e maternidade heheh).
Por isso, resolvi trazer os principais insights aqui no blog. Pode ser que eu edite esse texto, conforme for cruzando mais dados.
Foram 638 respostas de pessoas que trabalham com marketing digital e redes sociais.
Quem respondeu
A pesquisa reúne perfis bem variados de profissionais de social media – de quem está começando até quem já tem muitos anos de experiência.

Entre as funções, aparecem:
Freelas, consultores e pequenos negócios
Profissionais em agências
Profissionais de social media dentro de empresas (in house)
“Tô há 8 anos em social, já passei por agência, influenciador e hoje estou in house. Me sinto experiente, mas ainda assim perdida em vários momentos.”- Profissional de social media, 31 anos
Estresse no trabalho de social media: o dado que mais preocupa
Uma das perguntas centrais da pesquisa é “Quando você pensa no seu trabalho, você se sente…”
Quando cruzo as respostas, o padrão é claro: a maioria associa o trabalho com redes sociais a estresse, pressão e cansaço.

Na escala de 0 a 5 sobre satisfação com a carreira, a média fica em torno de 2,9.
28% respondeu 1
17% respondeu 2
53% respondeu 3
17% respondeu 4
5% respondeu 5
Quando eu cruzo esses dois dados, fica claro que muita gente está vivendo num lugar "okey”. Não é o caos total, mas também está longe de ser uma relação saudável com o trabalho.

É como se o mercado tivesse normalizado funcionar no modo tensão constante: cansado, irritado, ansioso, mas ainda entregando. Isso não deveria ser normal.
“Eu gosto do que eu faço, mas vivo com a sensação de que tô devendo: pro cliente, pro chefe, pra mim mesma.”- Social media, 27 anos
Burnout: quando o estresse passa do limite
Outra pergunta que faço na pesquisa é “Você acredita que já passou por burnout trabalhando com social media?”
Os números são consistentes, ano após ano:

Quando cruzo essas respostas com outros recortes, alguns padrões aparecem:
Burnout x Tempo de mercado
Burnout não é privilégio de júnior nem de sênior. Ele aparece em todas as fases. Mas tem uma curva clara: quanto mais tempo de mercado, mais gente dizendo que já passou (ou acha que passou) por burnout.
Até 2 anos de mercado: 72,9% responderam sim ou talvez
3 a 5 anos de mercado: 81,4% responderam sim ou talvez
6 a 8 anos de mercado: 82,8% responderam sim ou talvez
Mais de 8 anos de mercado: 83,1% responderam sim ou talvez
Na prática, isso mostra um padrão bem conhecido:
quanto mais tempo de casa,
mais responsabilidade a pessoa assume,
mais referência vira dentro do time ou com os clientes,
mas o poder real de decisão e negociação não cresce no mesmo ritmo.
Ou seja: quanto mais o profissional amadurece, mais ele vê o problema e menos consegue simplesmente “ignorar e seguir”.
Burnout x Modelo de atuação
Quando olho para o modelo de trabalho, o burnout também não se distribui igual.
Trabalho em agência: 84,6% responderam sim ou talvez
Freelancer: 81,8% responderam sim ou talvez
Trabalho no cliente: 80% responderam sim ou talvez
Empreendedora(o): 76,5% responderam sim ou talvez
Agência: muito relato de volume absurdo, urgência, plantão, evento, virada de campanha Freela / dono de negócio: combina responsabilidade total pelo resultado com medo de perder cliente e renda oscilando In house: aqui, o maior problema é política interna, metas agressivas e isolamento
Muda o cenário, mas a sensação é muito parecida: falta espaço pra respirar e reorganizar a rotina.
Burnout x Acúmulo de funções (número de serviços)
Outro ponto que conversa muito com burnout é o tanto de coisa que a pessoa faz.
Até 3 serviço: 70,7% responderam sim ou talvez
4 a 6 serviços: 80,6% responderam sim ou talvez
7+ serviços: 83,3% responderam sim ou talvez
Não é só volume de tarefa, é falta de escopo. Quando a pessoa é “de tudo um pouco” o tempo todo, fica quase impossível dizer não, priorizar e medir o próprio trabalho – terreno perfeito pra exaustão.
“Eu desmaiei no escritório de tanto estresse e, depois de dois dias, já estava respondendo cliente de novo como se nada tivesse acontecido.”- Profissional de agência, 24 anos
Isso só reforça absurdamente meu discurso sobre social media não ser uma profissão, mas uma área de atuação. Quer viver mais saudável? Se informe sobre isso, por favooooor.
Burnout x Faixa de Renda
Aqui, fiz um cruzamento sobre a taxa de burnout e o faturamento por cliente.
Até R$500: 57,9% responderam sim ou talvez
R$500 a R$1.000: 80,6% responderam sim ou talvez
R$1.000 a R$2.000: 80% responderam sim ou talvez
R$2.000 a R$3.000: 78,5% responderam sim ou talvez
R$3.000 a R$5.000: 84% responderam sim ou talvez
R$5.000 a R$10.000: 86,6% responderam sim ou talvez
R$10.000+: 57,1% responderam sim ou talvez
Dá pra sugerir uma hipótese: o pico de desgaste está justamente no “meio do funil de renda”, onde a pessoa já ganha um pouco melhor, mas ainda segura muita coisa no braço.
São pessoas que acumulam funções, absorvem pressão, mas não conseguem conectar esse nível de entrega com posicionamento, preço e limite.
“Não sei se o nome é burnout, mas eu só chorava antes de abrir o notebook e, mesmo assim, abria.” - Freela, 29 anos
Burnout x Consumo de conteúdo
Quanto mais o conteúdo entra em toda e qualquer fresta do dia, mais a taxa de burnout sobe.
Quem consome conteúdo em apenas alguns períodos do dia tem burnout um pouco menor (perto dos 70%).
Quem mete conteúdo em refeição, segunda tela à noite, banheiro sobe pra casa de 80%+ fácil.
A galera que leva o celular pra mesa, pro sofá da segunda tela e pro banheiro é justamente a que mais aparece esgotada. Não dá pra falar de saúde mental em social media fingindo que o nosso uso pessoal das redes não está colado no uso profissional.
A mente nunca descansa.
Burnout x Consumo de conteúdo
No cruzamento “qual rede você mais usa pessoalmente” x burnout:
Quem usa Instagram pessoalmente: burnout por volta de 76%.
Quem usa TikTok pessoalmente: burnout sobe pra 84%.
YouTube, Twitter, etc. ficam ali no meio do caminho (entre 75% e 79%)
Aqui tem um cuidado de amostra, claro, mas o recado é: quanto mais a pessoa está em ambientes de rolagem infinita hiper-estimulante mais a taxa de burnout sobe.
Burnout x Recorte de gênero
A exaustão é mais feminina.
Mulheres: cerca de 8 em cada 10 dizem que já passaram (ou acham que passaram) por burnout
Homens: esse número cai pra algo perto de 6 em cada 10
E aqui entra um ponto que os números não mostram, mas quem é mulher sente na pele: não é só o acúmulo de função dentro do trabalho. Temos o famoso terceiro turno: casa, filhos, família, organização mental da vida de todo mundo, o tal “pensar em tudo antes”.
Enquanto isso, a renda média entre homens e mulheres da amostra é muito parecida. Então, nesse recorte, não é o salário que escancara a desigualdade, é o nível de esgotamento: as mulheres estão pagando uma conta maior de desgaste físico e emocional pra ocupar o mesmo lugar.
Dinheiro: esforço alto, retorno abaixo do esperado
No recorte financeiro, o desenho é este:

Aproximadamente 3 em cada 4 profissionais ganham até R$ 5.000 por mês
Uma parte menor está entre R$ 5.000 e R$ 10.000
Pouca gente passa de R$ 10.000
Ao mesmo tempo, quando pergunto o principal objetivo profissional, ganham força:
“Ganhar mais dinheiro”
“Entregar mais resultado pros meus clientes”
Não sabemos nos vender
E aí vem uma pergunta que amarra tudo:“O que te impede de cobrar mais?”
A resposta mais comum é “Não sei me vender.”

Esse ponto é tão recorrente que ele já influencia diretamente como eu desenho meus produtos.
“Tenho medo de perder o cliente se eu aumentar o valor, então vou acumulando tarefa sem reajustar nada.”- Freela, 33 anos
No post que escrevi sobre precificação, eu falo justamente sobre esse desafio de transformar o trabalho em número, valor e argumento. E na Formação Social Media Thinking eu fiz questão de começar pela base: negociação, vendas, proposta e precificação. Os dados dessa pesquisa mostravam, há tempo, que esse é um dos maiores gargalos do mercado. A gente se preocupa demais em nos desenvolvermos em estratégias, táticas e criação e esquecemos das soft skills.
Qual serviço ganha mais?
Não é fazer mil coisas ao mesmo tempo que aumenta a renda. O que pesa mais é que tipo de serviço você oferece e o quão estratégica é essa atuação.
Quem trabalha com coisas como SEO, social listening e BI (Business Intelligence) aparece com mais frequência nas faixas de renda mais altas. Entre quem oferece esses serviços, é mais comum ver gente ganhando R$ 5.000 ou mais do que entre quem não oferece.
Já serviços mais “de entrada”, tipo:
gerenciamento de redes sociais (postar, calendário, etc.)
design (arte, layout)
e até tráfego/social ads nesse recorte não aparecem puxando tanto a renda pra cima.
Nos dados da pesquisa, em serviços como design acontece quase o contrário do que muita gente imagina: aparece mais gente ganhando melhor entre quem não oferece design do que entre quem oferece.
Isso tem muita cara de serviço que entra em pacote “faço tudo por X por mês”, típico de quem está começando ou vendendo combo completo barato.
Olhando junto com SEO, social listening e BI, dá pra sugerir que quem se especializa em uma área específica tende a subir de faixa com mais facilidade do que quem tenta abraçar todas as funções operacionais ao mesmo tempo.
Tempo de mercado x renda
Sim: em média, quanto mais tempo de estrada, maior a renda.
De forma bem simples:
Nos primeiros 2 anos, a mediana* de renda fica em torno de R$ 1.500
Entre 3 e 4 anos, essa mediana já sobe pra cerca de R$ 2.500
Entre 5 e 7 anos, passa pra algo próximo de R$ 4.000
A partir de 8 anos de mercado, a mediana se mantém em torno de R$ 4.000 e a média chega perto de R$ 5.000, porque aumenta o número de pessoas em faixas mais altas de renda.
Em média, quem fica mais tempo no mercado de social sai da fase júnior e estabiliza numa base de 3–5 mil como faixa mais comum, com uma minoria acima disso. Mas é interessante observar que essa subida vem acompanhada de uma escalada de burnout também. Socorro!
* A média é a soma de todos os valores dividida pelo número de pessoas (é puxada pra cima ou pra baixo pelos extremos). A mediana é o valor que fica bem no meio da amostra – metade ganha menos que isso, metade ganha mais – por isso costuma representar melhor “o que é mais comum” no grupo.
Gênero x renda
Quando eu olho pra renda x gênero, nesse recorte não aparece um abismo:
mediana de renda é praticamente igual
Mulheres: ~R$ 2.500
Homens: ~R$ 2.500
na faixa R$ 5k+, também é bem parecido
Homens: 24%
Mulheres: 23%
a diferença aparece mais no topo:
em R$ 10k+, homens são 7% da amostra masculina, mulheres 3% da feminina – mas o número de homens na amostra é pequeno, então eu trataria isso como tendência, não conclusão cravada.
Rotina, acúmulo de função e a sensação de estar sempre devendo
Quando eu pergunto o que mais pesa na rotina, quase ninguém responde “falta de ideia de post”. O incômodo vem de outra coisa: a soma de tudo que cai no colo da mesma pessoa.
pensar estratégia,
produzir conteúdo que realmente traga resultado,
organizar rotina, prazos e prioridades,
atender cliente/gestão,
apresentar números de um jeito que faça sentido,
e ainda precificar, montar proposta, negociar.
Famigerado faz-tudo. Pau pra toda obra. Eugência.
“Sou social, tráfego, designer, atendimento e às vezes psicóloga de cliente. No fim do dia não sei nem por onde medir meu trabalho.” - Profissional PJ, 30 anos
E aqui, vou reforçar o argumento de que social media não é uma profissão, é uma área de atuação.
Dentro de “social media” cabem várias funções diferentes: estratégia, conteúdo, comunidade, mídia paga, BI, atendimento, gestão de projeto, copy, direção criativa.
O problema é quando o mercado trata tudo isso como se fosse um cargo só e despeja o pacote inteiro em uma única pessoa.
Isso não é um problema DO MERCADO. É um problema nosso. A mudança desse cenário, começa com o nosso posicionamento. Falei mais sobre isso nesse post aqui.

“Eu até sei que precisava respirar e planejar, mas apago tanto incêndio que não consigo sair do modo reação.” - Social media, 25 anos
Não é só sobre volume de tarefa. É sobre papel mal definido.
Quando você é “a menina do marketing” que resolve tudo, acontece um combo perigoso:
tudo parece urgente,
nada tem começo, meio e fim claros,
e qualquer tentativa de organizar vira mais uma coisa pra encaixar na agenda.
Isso explica por que tanta gente associa o trabalho com redes sociais a estresse: não é o feed em si, é o modelo de trabalho em volta dele.
Principais conclusões
Repito: longe de mim querer ser apocalíptica, mas acho que não podemos fechar os olhos para essas questões. Já tem muita gente por aí falando que o mercado é fácil, que basta apenas um celular pra ficar rico, que você pode trabalhar de casa. E a gente sabe muito bem que as coisas não são assim. E talvez essas promessas rasas sejam grandes responsáveis por esse cenário.
É apenas encarando a realidade de frente que seremos capazes de mudar alguma coisa. E, pra mim, fica claro: é um problema estrutural. A gente está num mercado que cresceu mais rápido do que amadureceu.
As redes explodiram, as empresas correram pra “estar presente”, o volume de trabalho aumentou absurdamente mas:
ninguém parou pra desenhar escopo decente,
quase ninguém educou liderança sobre o que faz um profissional de social,
e muita decisão ainda é tomada na base do “vi um post falando que é isso que engaja”.
É como se o trabalho com redes tivesse ficado preso numa adolescência eterna: muita demanda, muita expectativa, pouco método e quase zero limite.
Quem está no meio disso? Você, eu, todo mundo que trabalha com social.
E aí, nesse ambiente pouco maduro, quem fala mais alto muitas vezes não é quem tem mais repertório, e sim quem promete mais fácil:
fórmula pronta,
“cresça X em Y dias”,
“você não cresce porque não quer”,
“seu problema é que você não aparece todo dia”.
Essa lógica não só não resolve os problemas estruturais, como ainda aumenta a culpa individual. A pessoa está esgotada, mal paga, sem escopo e ainda sai achando que o problema é que não gravou 7 Reels por semana.
E o que dá pra fazer, na prática?
Sozinha, ninguém vai fazer nada. Mas dá pra fazer movimentos concretos, no seu quadrado, que empurram a régua de todo mundo pra cima:
Definir melhor o que você faz e o que você não faz em cada contrato ou vaga.
Saber precificar – subiu o escopo? Subiu o preço!
Não ter preguiça de educar o mercado. Se a gente não fizer isso, quem vai? Explicar escopo, prazo, o que é papel de social e o que é papel do negócio, o que depende de teste e de longo prazo.
Levar dados para conversas com liderança e clientes, em vez de discutir tudo na base do “eu acho que”.
Filtrar quem você escuta: menos guru de milagre, mais gente que mostra contexto, limite e nuance.
Cuidar de como você usa as redes pra você. Desligar também é parte da estratégia.
Do meu lado, eu sigo rodando a Desabafos, atualizando a Formação Social Media Thinking, tocando projetos e criando ferramentas com um objetivo muito simples: ajudar a tirar essa profissão do improviso eterno e colocar num lugar mais maduro, sustentável e respeitado.
É rápido, anônimo, e ajuda a transformar sensação em dado > dado em conversa séria > conversa séria em mudança real de prática. :)




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